Naquela época eu sonhava em ser uma atriz, estudava numa das mais prestigiadas escolas profissionalizantes de teatro de São Paulo, vivia no meio teatral, andava com atores e atrizes aspirantes que, assim como eu tinham um único objetivo: chegar lá.
Eu assistia a todos os tipos de espetáculos que existiam no mercado e no momento, eles eram dos meus amigos, dos meus conhecidos e de atores já estabelecidos.
Eu consumia arte de tudo quanto era tipo, sempre um pouco de cada.
Pois bem, um belo dia sem programa algum pra fazer, passando uns dias no Rio de Janeiro na casa de amigos, recebemos um telefonema – sim, não existiam celulares – com um convite “Vocês querem assistir a peça da Marília Pera comigo?!”, imediatamente eu respondi com um sonoro e excitado SIMMM.
Chovia naquele dia, enfrentamos um trânsito inconveniente, mas chegamos a tempo de assistir a peça, confesso, minha memória não consegue se lembrar do nome da peça e, muito menos de nada do que foi encenado, mas eu acho que eu posso explicar com a segunda parte dessa estória, o porquê desse meu apagão cultural.
Terminada a peça, minha amiga que era atriz, famosa e na época uma global, nos convidou para irmos ao camarim da diva, éramos 3, mas apenas eu e minha amiga atriz fomos. De frente pra porta do camarim, minhas borboletas já invadiram meu estômago, eu, uma estudante de teatro iria conhecer uma das atrizes mais importantes deste Brasil, uma diva.
De repente a porta se abriu, nós entramos, e, eu vivo a seguinte cena – minha amiga me apresenta, Marília Pera que sorri e nos cumprimenta afetuosamente, enquanto ela do outro lado da sala nos observa – eu sigo em frente num misto de alegria e pânico, paro em frente a ela que, com todo carinho me cumprimenta com dois beijos, um de cada lado do rosto (cariocas dão dois beijos, que sorte a minha).
Todas nós nos sentamos e, passamos a conversar, obviamente eu não me lembro do conteúdo da conversa, meu estado emocional era de uma pessoa que acabará de receber uma notícia impactante, uma confusão mental generalizada, não consegui emitir uma frase completa, mas me lembro da sonoridade daquela conversa…
Eu fiquei inebriada por ouvir aquela voz, aquele timbre tão íntimo pra minha pessoa, bem ali na minha frente, afinal eu passei a vida assistindo essa mulher na televisão, nos palcos e no cinema. Ela, era Fernanda Montenegro, a grande dama do teatro brasileiro, (ela não gosta desse título), mas como apresentá-la?! como mostrar sua grandiosidade artística?!
Enfim, essa semana ela completou 90 anos, ativa, ativista, atualizada, moderna. Minha experiência foi surreal como naqueles filmes de Fellini, acontecida durante meu passado teatral, não foi fotografado e muito menos foi registrado, ele foi apenas sentido em toda a sua profundidade e sensibilidade.
Me senti antes e, continuo me sentindo agora, uma sortuda privilegiada por ter ouvido Dora, Charlô, Olga, Zazá, Bia Falcão, conversando com Sueli, Madame Claude, Milu, Catarina, Darlene, entre tantas outras personagens desta dupla de atrizes que me faltam adjetivos para expressar a importância de cada uma delas na história da cultura nacional, todas juntas, ao momento tempo, agora.
Parabéns Fernanda!!!