Eu sei que estou anos luz atrasada, mas acabei de assistir todas as temporadas da série “The Orange is The New Black” (apenas por esses dias). De todas as temporadas, uma me marcou muito pelo diálogo entre as personagens Big Boo e Pennsatucky. O diálogo era sobre a legalização do aborto, baseado no livro “Freakonomics” de Steven D. Levitt de Stephen J. Dubner.
Big Boo argumenta sobre o fato da criminalidade cair, justamente quando aprovaram a legalização do aborto. Ou seja, pela análise do livro – os filhos indesejados poderiam supostamente se tornar criminosos no futuro – pelo simples fato dessas mães não terem a opção de decidir sobre os rumos de suas próprias vidas, como se espera dentro de uma sociedade. A opção pelo aborto é uma forma de não submeter essas (futuras) crianças a situações de privação, pobreza, abandono, abusos, drogas, enfim a uma vida negligenciada, as estatísticas mostram que essa medida 20 anos depois, efetivamente fez o crime declinar.
E, o que essa informação tem a ver com o título desse post?! se olharmos as estatísticas brasileiras, elas são alarmantes. A cada (1) minuto (1) uma mulher faz (1) um aborto. Uma em cada cinco mulheres (aos 40 anos), já fez pelo menos um aborto na vida – isso significa que 4,7 milhões de mulheres já abortaram. Mulheres nordestinas pobres, negras ou indígenas fizeram mais abortos que as mulheres brancas e com maior escolaridade. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto, recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas por ele. O aborto inseguro é a quinta causa de morte materna.
4 mulheres morrem por dia em consequência do aborto clandestino
Eu não preciso desenhar para que, todos possam entender a relação entre mulheres pobres e com baixa escolaridade morrerem muito mais e serem as mais vulneráveis pela criminalização do aborto, ao contrário das mulheres com boa situação econômica e escolaridade que, são capazes de pagar por uma clínica clandestina de qualidade, não é?! Poder econômico significa a possibilidade de não morrer, em decorrência de um aborto clandestino. E isso, esta dissociado da relação de religiosidade de cada uma delas, muitas mulheres se declararam católicas, evangélicas e abortaram mesmo assim, provando que aborto não escolhe crença.
Descriminalizar o aborto vai muito além de questões morais, ele garante o direito de cada mulher em decidir sobre questões em relação a sua vida pessoal, sua saúde, seu estado mental e psicológico, além de suas condições econômicas e de sua situação no meio em que ela está enserida. Nosso Estado é laico, ou seja ele deveria garantir a nossa autonomia em tomar as nossas próprias decisões. Cada um de nós, homens, mulheres, nós não podemos nos apegar a opiniões e pesquisas contra o aborto e sua prática ilegal, essa decisão não cabe as pesquisas de opiniões, cabe a cada uma de nós, isso é uma questão individual.
Diálogo sobre o aborto/OITNB
Big Boo: Já leu o livro “Freakonomics”?
Pennsatucky: Não. É sobre mulheres barbadas e anões?
Big Boo: Quase. É sobre teoria econômica. Causa e efeito.
Pennsatucky: Parece chato.
Big Boo: Na verdade, é uma boa leitura. Tem um capítulo chamado “Aonde foram parar os criminosos”. Na década de 1990, o crime caiu dramaticamente e o livro atribui isso à aprovação do aborto.
Pennsatucky: A escuridão de 1973.
Big Boo: É bem ao contrário, na verdade. Os abortos ocorridos após a legalização eram crianças indesejadas. Crianças que, se suas mães fossem forçadas a ter, terminariam pobres, negligenciadas e maltratadas, os três ingredientes mais importantes ao se produzir um criminoso. Só que eles não nasceram. Então, 20 anos depois, quando estariam no auge do crime, eles não existiam. E a taxa de crime caiu drasticamente.
Pennsatucky: O que você quer dizer?
Big Boo: Quero dizer que você era uma ‘bostinha’ entupida de metanfetamina, e se seus filhos tivessem nascidos, também seriam ‘bostinhas’ entupidas de metanfetamina. Ao interromper estas gestações, você poupou a sociedade do flagelo de sua prole.
Pennsatucky: Nunca havia pensado desta forma.
Big Boo: Talvez você deva. Talvez você deva parar de punir a si mesma.
*tradução livre.
Em tempo, ano passado tivemos um grande avanço de mentalidade do Supremo Tribunal Federal, onde segundo o ministro Luís Roberto Barroso…
“Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não”, escreveu o ministro sobre o direito à igualdade de gênero.
Países democráticos e desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Alemanha, o Canadá e a França, não criminalizam o aborto no início da gestação. Barroso afirmou que esse entendimento não tem como objetivo disseminar a interrupção da gravidez — e sim tornar o procedimento raro e seguro, mediante a oferta de educação sexual e distribuição de contraceptivos”
A Pesquisa Nacional do Aborto 2016 foi coordenada por Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro; realizada pela Anis – Instituto de Bioética e Universidade de Brasília; financiado pelo Ministério da Saúde. Os dados foram coletados pelo IBOPE-Inteligência. O estudo foi aprovado para publicação pela revista Ciência & Saúde Coletiva
*Quantos minutos você levou para ler este post?!! 3, 4, 5 minutos?! enfim, nesses mesmos minutos mais mulheres (que conhecemos ou não) abortaram hoje. Sabe se lá, em que condições?!
Você parou pra pensar o que elas estão sentindo agora?! será que elas estavam sozinhas?! quanto medo elas estão passando nesse momento?! são criminosas?! por isso, vamos trabalhar a nossa empatia e olhar para essa questão sem julgamentos, vamos tratá-la com compaixão e justiça. Não nos cabe sermos hipócritas.